3.11.20

Desconfi(n)ados

 Minha irmã me mandou ir meditar e eu quase a mandei ir à merda. Não é para tanto. Até porque, se a merda estiver a mais de um quilometro, eu não posso ir, sob pena de uma multa de 130-blaus de macrons. E eu não faço macromê suficiente para esse ir e vir todo. Hoje de manhã já meditei sobre esvaziamento e respirei na seriedade da busca da paz, sentindo o vai e vem do ar. Sem obrigatoriedade de ter que preencher declaração assinada (com data e hora especificadas), meu gás carbônico ficou passeando pra lá e pra cá, operação com o escopo bem definido de manutenção de órgãos. A máquina não pode parar, nem reparar, tem que respirar no fundo do poço e estacionar seguir em frente. Olha, um pouco de pessimismo e reclamação não vai fazer mal a ninguém. Paris está aí com seus residentes de boca torcida e de nariz de nojo, mas todo mundo gosta de Paris. É chique ser insuportável. Voilà voilà. A idade não traz só flacidez, mas experiência - que deve ser projetada como verdades absolutas sem nenhum pacto com argumentos racionais. Eu estou irritada? Certo. E me acalmar para quê, se daqui a três minutos já encosta um outro aborrecimento? Fica logo na potência do café requentado: perigoso, agitado, ruim, mas presente. Estou sem outras performances disponíveis. Já fui resignada, grata, preguiçosa, produtiva, triste. Agora estou virada no Pato Fu metal – uma mistura de melancolia, chatice e gritaria. Que diferença faz para você? Se eu fico sozinha mesmo escutando música folk e escrevendo inutilidades tese.

Um dia isso tudo vai passar, mas agora estou achando uma situação chata, persistente e esse vírus um ridículo. Pega sua oportunidade de superação e come com corn flakes, quero saber disso não. Gente, reclamar é preciso. Legítimo e gostoso. E outra. Eu sou contra você ser contra mim. Lembre-se Paris.

3.9.20

Áudio

Recebi sua mensagem. Você disse para eu buscar um profissional e foi justamente disso que me livrei, para tratar minha dor de forma diferente. Começar a descobrir o que minha carne me ensina. E por aqui senti ecoar um som de flauta e de árvores laranjas. Voltei a pensar nas minhas terras e nas pedras que juntava na gaveta do subúrbio do Rio. Meu amor, o equilíbrio só é real se há um desafio de balanço, estou aqui experimentando os meus. Quero poder dizer a verdade por trás do sorriso que colei no meu rosto, porque tenho para mim que muitos sentem esses tufões no peito. Mas não sabem como eles chamam ou se eles ficam rodando lá para sempre. Antes minha especialidade era de gerenciar tufões alheios e sobreviver, agora posso ter minha próprias desrazões e a liberdade, às vezes, dá um falso atrapalho. A gente cata um cavaco e vai correndo pra não precisar cair. Acelerei. E o que, para os outros é um processo de queda, para mim é a esperança de me realocar de pé: os braços girando para apanhar o ar e os olhos pinçando o céu – a gente se agarra no que imagina bem. Você sabe. Não é do meu feitio desmoronar, como um prédio que afunda e peida poeiras por todo lado. Se eu tivesse que ser um imóvel abatido, eu iria atirar meteoros que voariam no Pacífico e que confundiria os aliens que tiveram a mesma ideia, mas que não se organizaram o suficiente. Quando todo mundo pensasse que iria cair pro lado e esmagar um carrinho de pipoca, o pipoqueiro e um gato, eu iria produzir uma grande (enorme) quantidade algodão doce tipo 1 (utilizado para preenchimentos). Todos meus quebradinhos iriam ficar melados ao toque de mão com saliva e para substituir o material teríamos que levar bebês-babantes para comer as partes a serem substituídas.

Por isso, não se preocupe já tenho tudo pensado e organizado da forma caótica que é o gostoso da vida. Não posso negar que hoje sonhei que capotei de carro, nessa preguiça que eu ando, copiei a cena de um filme. Depois copiei a trama de um seriado e virei lutadora com maiôs da década de 80. Ou seja, não quebrei nadinha e fui lutar, antes de nascer – ou um pouquinho depois. Por isso, não se preocupe, sou boa de criar enredos fantásticos: vou bolar uma saída que também sirva de entrada. Hoje coloquei quatro anéis, uma pulseira do Marrocos e um batom dichavado pela máscara. Quer dizer. Sont plutôt des bonnes nouvelles, non ? Xuibiãnlá.

31.8.20

Alpinismo

Hoje tive uma saudade de escrever para os personagens que inventamos e amamos de maneira misturada. Hoje meu coração acelerou na aula de yoga e me veio um medo do pânico. Fiquei em pé, como se tivesse sido a aula à me levar à uma pausa, mas foi a vida, ou aquilo que eu ficava lembrando da vida sem parar, que me fez parar. Bebi a água quente da minha garrafa olhando para o céu, com os olhos bem para cima, de quem precisa falar com Deus e se segurar nas nuvens. E implorei silenciosamente que eu e Ele me ajudassem. Deitamos todos de bruços com a bochecha direita no chão, meu coração continuava alucinado. De vez em quando, antes de dormir, meu coração tem galopado e pensar nisso me dá uma secura no maxilar. Meus pensamentos ficam como pipas enlouquecidas do subúrbio, com excitação e descidas espirais por movimentos falsos.

Eu nunca aprendi a empinar a pipa sozinha, meu pai colocava no alto. Quando era ele a segurar a pipa, eu puxava para um lado para o outro, mas ela sempre virava de ponta cabeça e acertava o chão com brutalidade. O bico mais longo de quina na calçada quebrada e a rabiola atônita se embolava num ou noutro objeto proibido.

Meu pai é cheio de defeitos, mas tem qualidades que sempre me ajudaram a viver melhor e mais feliz. Meu pai pegava a pipa, consertava o que precisava ser consertado e tentávamos de novo. Até ele ou eu cansarmos. Eu tinha impressão de que só parávamos porque eu tentaria mais depois. Falhar era só uma etapa para aprender. Eu não aprendi a soltar pipa, nem a rodar um pião sozinha, nem fazer embaixadinha com laranjas (nem com bola). Mas eu aprendi a tabuada, eu aprendi a nadar cada vez mais longe, eu aprendi a contar estórias, a fazer com o que tenho e a ser criativa na falta.

Quando meu coração acelerou hoje, eu pensei em duas amigas que tiveram crise de pânico. Uma delas me disse que entrou no hospital de cadeiras de rodas porque não conseguia nem andar. Eu pensei que aquele coração acelerado era um convite do medo, resolvi declinar. Consegui declinar. Sai na rua de mãos dadas com minhas amigas que moram há mais de 3 mil quilômetros, agradeci por elas terem compartilhado a experiência delas comigo, desde as mais físicas (o momento que a crise vinha no corpo), até o caminho de saída (os pensamentos, as decisões, as mudanças). Peguei um atalho, que passava pelo amor dessas pessoas. Lembrei da mão gordinha do meu pai e na liberação que minha mãe me promove. E me aninhei na paz.

Se um dia você também ficar com muito medo de ter medo e seu coração acelerar, eu tenho um conselho. Ele se acelera até vir pulsar na garganta, depois ele ecoa no tronco como se você só existisse para aquelas câmaras de sangue. Nesse momento, que dura alguns segundos infinitos, aceite o seu medo (da morte, da vida, do trabalho, do desemprego). E eu te juro que seu corpo se recoloca como seu. Eu gosto de esticar minha alma nessas horas, numa longa expiração. E aquele monstro se dissolve. Todos teremos visitas dos nossos monstros, olhe bem para ele e tente aprender a não mais se assustar. Raramente eu quebrei uma pipa numa daquelas quedas, mas, uma coisa que eu aprendi bem, foi consertá-las.

24.8.20

Colosso

Quando eu fui escrever “amor”, minha caneta se dissolveu e dezenas de milhares de litros de tinta rosa caíram no meu bloco de anotações. As letras ficaram borradas e fantasmagóricas como uma espécie de mal presságio. Fiquei com medo e acendi uma vela com perfume de bananeiras. Fiquei com medo da vela botar fogo na minha casa e nas minhas coisas e nas coisas dos outros e no prédio. Fiquei com medo de incendiar a cidade e. Fiquei com medo de incendiar a região onde moro, então. Fiquei com medo de acabar com o continente europeu e queimar diversas universidades, então coloquei a vela num copo. O copo por sua vez tinha um desenho de uma mulher com blusa amarela que fica com a cabeça de lado, pro lado esquerdo e com paisagens de cana-de-açúcar - numas cores muito lindas mesmo e escrito “rhum blanc, Martinique”. Esse copo não é meu, por várias razões. Dentre elas é que pertenceu à uma família de franceses que doaram pro seu filho, os copos, e dentre outras coisas que eu uso do filho deles, eu uso esse copo. Eu gostava muito também de usar roupas e acessórios dos meus familiares, mas eu tenho evitado porque dá muita saudade - moramos longe e meu coração não aceita bem.

Talvez você esteja se perguntando por que eu estava escrevendo “amor” com uma caneta rosa estourada no meio de uma pandemia de um vírus de bases chinesas. Da minha parte, não sinto vontade de me alongar nesse assunto e acho que é o menor dos seus problemas. Eu estou em busca de novos leitores, pois busco validação e sucesso pessoal. Financeiramente, ganho meu dinheiro vendendo pães – que não tem nada a ver com aquele papo de “cada dia”, pois trabalho em escalas muito variadas. O contexto histórico-social do mundo atual atrapalhou meus sonhos de ser escritora de ficção. Verdadeiramente algumas cenas apocalípticas fazem parte do meu dia-a-dia e os discursos alucinados de alguns políticos aumentaram muito a competição no reino da fantasia. Sempre pensei que iria enriquecer assim, com uma série de livros com palavras mágicas, mas. Hoje fui entrevistada na rua. A menina implorou para eu falar como era minha experiência de andar de bicicleta na cidade e não precisava nem da metade daquele desespero, porque eu gosto de falar. A situação ficou delicada quando ela me perguntou quanto tempo eu gastava para ir para o trabalho e eu disse que ia mais para a biblioteca e que isso era rápido. Ela parou o vídeo e me olhou de lado, igual a boneca desenhada no copo, e perguntou: “quanto tempo para o trabalho?”. Meu corpo ficou quente porque eu trabalho mais é sentada de casa e a foto no meu computador é o cabelo da minha mãe. Não sou tão profissional. Olhei para ela, pensando nos meus arquivos pdf e na minha vida desmaterializada. Vi uma coisa loira brilhando, ela tinha um buço dourado muito espesso, fiquei com vergonha da minha vontade de querer olhar de novo. Pela glória de um poder do divino social, eu lembrei que trabalho na padaria, por escalas. Falei “35 minutos” e achei um tempo honesto – tem uma subida grande e eu paro no sinal para descansar, isso gera um impacto na minha performance.

Fiquei pensando como seria engraçado se eu cometesse um crime e ficasse famosa. Ela teria meu vídeo e iria se promover, talvez as vendas de bicicleta sofressem. Fora isso não tive mais ideias da utilidade do meu vídeo - uma vez que ela fazia perguntas que juntas direcionavam para uma conclusão inevitável: a opinião dela. Se você for no júri do mestrado dela, já sabe o contexto em que tudo aconteceu. De resto, é isso mesmo, só queria contar o lance da caneta porque achei curioso.

26.10.16

Desocupação

É pesado imaginar como nosso corpo pode se tornar um depósito de prazeres, mas, necessariamente, um paraíso a ser perdido. Uma relação superficial e deformada que se assemelha a uma mordida no sorvete: arriscamos experimentar uma hipersensibilidade pelo gozo de abocanhar um pedaço maior. Nunca mordi sorvete. Não gosto. Mas sempre deliciei em ser o gelato.

Um dia após outro, construo conclusões provisórias, que sejam absolutas. Como que para redimensionar o caos em porções absorvíveis. Admito que essa segurança que me forneço é um conforto paras minhas costas cansadas. Sentar de mochila no banco, rasgar uma bolinha de algodão. Não é muito, e talvez não o suficiente, mas já é alguma coisa.

Tenho perdido o apetite pelas pessoas. O deslumbramento ora dura pouco, ora demora demais a acontecer. Como comer plástico com pitadinhas de sal. Sem digestão possível, vai embora sem deixar nada, intacto e intocável. Meu apetite gosta de se alimentar, de triturar e sorver. Só vejo cabelos e roupas. Poucos olhos e quase nada de alma. Fico sem fome.

Esqueci minha escova de dentes reserva numa casa de uma noite, meu chinelo e um rascunho. Imagino se não foi um abandono. A escova era velha, o chinelo inútil no inverno e o rascunho bobo e feio. Deixei os outros descartarem meu lixo. Não ouso mudar de direção nem mesmo para me desembaraçar. Todo o resto tomba de mim e fica estirado no caminho passado, como um obstáculo. Não me siga, eu prossigo.

Quando falo de amores moribundos, falo daquilo que eu mesma já vivi. Mas que se resignificou. Estou incapaz de amar. Sinto o cheiro desse entulhamento, que fica agonizando, muito embora sejam pedras mortas. Observo, sentada na minha própria barriga, minha dificuldade de respirar. Não faz mal, esse personagem tem mesmo que expirar. Era muito véu cintilante para pouco vento. Os tempos são outros.

A consciência exata de que o amor morreu me traz um alívio absurdo. Um terreno limpo e pisoteado. Mas limpo. Descompactar é só uma questão de remexer para lá e para cá. Soltar a terra. Ressaltar um novo chão. Seria um terreno-caminho ou um terreno-lar? Ponto-fixo ou ponto de partida? Olhando por alto, não consigo discernir.

Porém, ainda que tenha me livrado dos chinelos, ando carregando uma meia dúzia de amores defuntos e não sei muito bem qual o procedimento. Nem da simpatia, nem do mau agouro. Enfiei-os todos num saco de batatas e arrastei até aqui – e agora. É leve, mas de um volume enorme: às vezes, tapa-me a visão. Não cabe na cabeça. Não entra no bolso, nem entre um braço e outro. Levando em consideração que todos foram muito caros, quero uma finitude que agregue valor à experiência.

É verdade que esse pacote mais parece um elefante de porcelana gigante daquelas que só é lícito às tias-avós possuírem. Impressionantes, meio cafonas e lascadas. Preciso de um ritual de passagem. A questão é: o que fazer com amores mortos? Desfalece-los? Jamais!

Rascunhos, escovas e chinelos. Bem, fico assim meio sem graça, mas vou deixar meu mausoléu aqui. Não, Repara a falta de jeito. Repara bem: vou abstrair esses cadáveres. Abandono de forma literal, é o abc da vida.
De a-z: Fim.

Fim. Fim. (só para garantir)

19.7.16

Dois : Liz

Paris é um frio dos infernos e de nada serve o rio Seine. Ela mete a mão nos bolsos de seu casaco verde musgo em busca do isqueiro. O frio faz seus ossos trepidarem. Resoluta, com seu queixo quadrado e lábios finos, puxa o cigarro, pendura na boca ressecada e produz uma chama em frente aos olhos. Como que enfrentando o fogo, como que tragando a essência do mundo.

Liz se afastou do grupo, em parte para não levar fumaça, em parte para não levar o grupo. Naquele exercício solitário de reflexão e vício, Matthieu se aproxima. Naquela altura, não sabíamos seu nome. Eu, como narradora, só poderia relatar que ele usava uma calça justa ao estilo francês, uma jaqueta de couro ao estilo argentino, uma pulseira ao estilo peruano e uma cara bonita ao estilo universal.

-Tu as feu? – ele perguntou, como quem anda de pijamas no Coliseu.

Ela disse que tinha fogo e entregou um isqueiro bic cor de rosa que trouxe do Brasil. Ela fumava como quem sobrevivia de uma catástrofe, traumatizada, com os cotovelos presos nos quadris, com um suspiro de fumaça lento e sofrido. Ela era dos trópicos de Capricórnio. Ele era do norte da França, com ancestral do pé grande glacial, fumava com um cabelo loiro que reluzia. Caía no olho e ele ficava sem ver. Um cabelo cintilante, daqueles que brilham no escuro. Cabelo, cabelo? Mas e os olhos? Mesmo como narradora não dou conta de lembrar a cor dos olhos dele. Eram meigos, meio verdes, tombados no final. Olhos de quem já viu o amor. Olhos de quem já riu. Mas ali, eram olhos para os barcos estéreis do Sena.

As luzes eram alaranjadas, a conversa dos outros virou um bruit e eles foram ficando cada vez mais a sós. Ela sentou num pequeno pilar de ferro, que servia para a ancoragem dos barcos. Ele resolveu que era o momento de colocar os nós dos dedos na cintura. E fizeram companhia um para o outro em novembro. Num dia qualquer que só Deus tem registro.

Inesperadamente, Matthieu pousou as mãos sobre a cabeça de Liz. Ela se encostou nas pernas dele, segurou suas panturrilhas e esticou as próprias pernas. Ele agachou e nos ouvidos de Liz disse: Vem (em francês não traduzível). Ela foi. Foi parar no parquinho alpinista das crianças. Que fica do lado direito do Sena, antes da Ponte Alexandre III, onde há pelo menos duas fontes de água gasosa. O chão parece de asfalto mas é meio molenga.  Ele a sentou num brinquedo indecifrável para os latinos, segurou nos seus joelhos. Ela tinha uma franja recém cortada em Montmartre e veias minúsculas nas bochechas. Ele olhou. E olhou.


E ninguém sabe o que aconteceu depois. 

18.7.16

Um

Corra, Hannah. De traz em frente, de frente, para, trás.

Acordei ao som de uma britadeira intermitente, sentia meu ventre doer. As cólicas mensais haviam começado. Abro os olhos e vejo uma coruja de pelúcia me encarando com olhos amarelos purpurinados. Ainda é cedo, mas a cidade já está em obras. Tomo leite. Vitaminas em cápsulas. Mais leite. Arrumo a casa, com esmero. Vejo a panela que ariei, praticamente limpa. Reverencio meu desengordurante “BANG”. Eu emagreci, a despeito de todo chocolate e quinquilharias que comi na semana passada. Acho um pregador de roupa de madeira, uso para prender meu cabelo em coque. Lembro da minha mãe. Guardo a louça. Guardo meus anéis. Dobro minhas calcinhas. O céu está azul. Minhas pernas estão doloridas.

Sento em meu tapete cinza felpudo. Fecho os olhos e jogo minha testa para o teto. Só penso em amores geométricos. Há três dias penso nisso. Na academia, pensei no triângulo isósceles e meu apreço por seus dois ângulos iguais. Quando pequena, adorava meu caderno de desenhos geométricos. Tinha um compasso que a ponta afundava a despeito da infinidade de gambiarras desenvolvidas para tentar consertá-lo.

Não entendo porque o triângulo equilátero não me mobilizava da mesma maneira. De qualquer forma, entendi perfeitamente que amores são e sempre serão geométricos. Mas não sei explicar.

No começo, achava que amávamos em reta, um sentimento que se expandia para os dois lados, no infinito e, para mim, na unidade infinita do tempo: eterno. Um amor eterno, infinito, contínuo e fluido.

A vida picotou um pouco minhas retas. Fiquei um tanto segmentada. Paixões de verão. Amizades do curso de inglês, o prazer de estar no mar. E, de uma hora para outra, parecia que eu vivia pequenos segmentos que poderiam se sobrepor, se cruzar ou se distanciar, intervalado por imensos vazios. Tudo tinha início e fim evidentes.

Sei que círculos e hexágonos também são geométricos, mesmo o rosto de muitas atrizes. Mas não quero pensar nisso.

É mais seguro amar em segmento de reta. Entretanto, é do precipício que sentimos as alturas. A experiência me ajudou a manejar melhor meus pedaços, acabei por construir uma aptidão : o recorte póstumo e o nó. Quando uma relação se exaure, não deixo as sensações expostas. Como linhas feitas em tranças, corto seu final desgastado e podre, amarro o fim, para que a estória não se desmanche. Tão importante quanto amar é aproveitar a memória do amor. Meus ex-amores são frescos e conservadões.

Fico irritada em pensar no que você está pensando e na diminuta possibilidade de não concordar com meus argumentos. Bem, muitas imagens são possíveis para representar o amor, pois ele é elástico como uma fumaça. Particularmente, abri um novo plano e optei pela semirreta. Quero um recomeço, mas anseio por um futuro. É tempo de semirretas na minha folha quadriculada. Não se embanane com minhas metáforas. Assimile o que ofereço e tente entender.

Assimile o que ofereço e tente entender. Às vezes, 
não dá.

Os tapetes da cozinha estão manchados de azul. Tenho que limpar meu sapato e fazer legumes no forno.